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A censura de Chico Buarque

O cantor resolveu processar o governador Eduardo Leite, pela publicação de um vídeo no qual aparecia. Está errado


Na última semana, Chico Buarque retornou às manchetes dos jornais. Não em razão de um novo álbum. Pena. Não em razão do lançamento de seu novo livro. Ufa.

Chico se fez presente nas páginas jurídicas de sites e periódicos. Resolveu processar o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, pela publicação de um vídeo no qual aparecia.

O juiz Fernando Rocha Lovisi, do 6º Juizado Especial Cível carioca, entendeu se tratar de uma peça publicitária que utilizava, sem autorização, a imagem do artista, e mandou retirar o vídeo do ar.

Está errado, Excelência!

A ordem judicial, a pedido de Chico, tem nome e sobrenome: censura à liberdade de expressão.

O vídeo que o governador postou em suas redes sociais exibia, por fração de segundos, a imagem do compositor, de costas, cantando em um de seus shows, enquanto Leite comentava que Chico Buarque e Sérgio Reis, embora opositores em ideologia política, são grandes músicos, sendo sempre possível haver algum grau de compatibilização entre pessoas com visões de mundo opostas.

Figuravam, pois, os artistas, como símbolo de uma almejada pacificação do país.

Não há publicidade alguma nisso. Apenas o desejo e a opinião de Eduardo Leite ilustradas pela imagem do compositor. Também não há nenhum segredo em Chico e Sérgio Reis serem politicamente opostos. Todo mundo sabe que Chico Buarque é louco pelo PT, e Sérgio Reis, bolsonarista louco.

Se levarmos a ferro e fogo o pleito buarquiano, referendado pela decisão do judiciário carioca, precisaremos concluir que a opinião de um político é sempre uma peça publicitária.

Os políticos têm todo o direito de se expressar livremente sem pedir autorização a quem quer que seja, e ilustrar o que dizem com imagens de pessoas públicas, tiradas de eventos públicos, e pertinentes à sua fala.

O que a decisão faz, a pedido de Buarque, é lhes negar o direito que todos nós temos, ou devemos ter, à liberdade de expressão.  E essa liberdade não tem de ser nem melhor, nem maior aos políticos, mas também não pode ser nem menor, nem pior.

Aposto que o leitor deve estar pensando: “Que se calem! Melhor assim.”

Há uma velha história judaica que conta que um rabino foi visitar um homem muito rico, e o homem, querendo impressionar, disse se alimentar apenas de pão e água. O rabino o repreendeu: se você assim o fizer, pensará que os pobres podem comer pedras.

Que os políticos tenham toda a liberdade constitucional à expressão que desejamos ter também para nós. Se recusarmos a eles esse direito, atirarão a nós nada mais do que migalhas constitucionais.

Retirar o vídeo do ar foi um tremendo erro do Judiciário. Uma tremenda desafinada de Chico Buarque.

Vivi para ver Chico censurando alguém. Que o compositor deixe a liberdade de expressão em paz – ela já é um pote até aqui de mágoa.

Leia o artigo em O Antagonista